segunda-feira, 31 de março de 2008

Poema do Homem Só

"Sós, irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece. 
Todos passam por nós 
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam. 
Todos se desconhecem. 
Os astros nada explicam: Arrefecem 
Nesta envolvente solidão compacta, 
quer se grite ou não se grite, 
nenhum dar-se de outro se refracta, 
nenhum ser nós se transmite. 
Quem sente o meu sentimento sou eu só, e mais ninguém
Quem sofre o meu sofrimento sou eu só, e mais ninguém. 
Quem estremece este meu estremecimento sou eu só, e mais ninguém. 

Dão-se os lábios, 
dão-se os braços 
dão-se os olhos, 
dão-se os dedos, 
bocetas de mil segredos dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias, 
dão-se aflitivas esmolas, 
abrem-se e dão-se as corolas breves das carnes macias; 
dão-se os nervos, dá-se a vida, 
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota dá-se tudo e nada fica. 

Mas este íntimo secreto que no silêncio concreto, 
este oferecer-se de dentro num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, 
este entregar-se, 
descobrir-se, 
e desflorar-se, 
é nosso de mais ninguém."
António Gedeão

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